Ouça a Smooth FM em qualquer lado.
Faça o download da App.
29 agosto 2021
02:17
Silvia Mendes

Xutos & Pontapés: rock da casa e a céu aberto

Xutos & Pontapés: rock da casa e a céu aberto
Rúben Viegas
Último dia do festival Música no Parque foi com eles: os Xutos. As saudades que já tínhamos de ver a nossa alegre bandinha a tocar debaixo das estrelas.

Chegou ao fim o festival que ocupou o Hipódromo Manuel Possolo, em Cascais, nos dois últimos fins de semana. Esta noite, a celebração da música portuguesa voltou a estar em cima do palco com vista para um grupo avolumado de gente ávida por vida. No palco largo, arejado e a céu aberto, como se quer num festival de verão, preparou-se o cenário para sentirmos no pulso a vitalidade da música ao vivo e na voz a garra do rock de estádio. Isto, claro, mantendo a, ainda recomendável, distância de segurança. 

O músico Churky serviu bem a abertura para os veteranos Xutos. "É bom tocar música para quem gosta de música", disse o músico que animou, na dose certa, quem já tinha chegado ao recinto para ver Tim, Gui, Kalú e João Cabeleira em ação. Foi ao som das canções de Churky que a noite promissora lá se foi instalando no recinto que entretanto ficou lotado.

Depois da dureza da experiência pandémica, certo é que, no período de transição dos dois concertos, até o pequeno momento de soundcheck provocou picos de excitação. Se antes tínhamos os festivais de música como um dado adquirido nas nossas rotinas agora queremos absorver a experiência festivaleira sem qualquer reserva. Mesmo com máscaras. Dando um pequeno twist às palavras sábias de Jorge Palma, talvez tenhamos percebido que a liberdade é mesmo "uma maluca que sabe quanto vale um beijo"... e um bom concerto. 

Bom, a inclusão da poesia de Jorge Palma neste relato, ainda que adulterada, não é inocente. A primeira dos Xutos, que se ouviu em Cascais, foi 'Imprevistos', a última faixa do disco "Duro", que conta com as participações da rapper Capicua e - lá está - do grande Palma. O tema, gravado, saiu das colunas, ainda sem o quarteto histórico no palco, funcionando como uma espécie de nota introdutória ao concerto.

Ainda que as máscaras tivessem tapado os sorrisos de quem esteve hoje em Cascais, sabemos que se multiplicaram pelo recinto quando os Xutos subiram ao palco. Agora, sim. Estava na altura de cruzar os braços, em sinal de maior respeito. Tim, Kalú, João Cabeleira e Gui tinham acabado de chegar para uma noite de puro, duro (e também suave) rock n' roll. 

O clássico 'À Minha Maneira' soltou-se logo a seguir e meteu os primeiros braços no ar, enquanto Tim girava a dedilhar as cordas, ladeado pelo mais contido João Cabeleira, e Kalú fazia as primeiras manobras na bateria. A vontade de desatar a pular em liberdade absoluta foi o mais difícil de controlar. Os corpos pediam emancipação para acompanhar a pedalada dos Xutos, mas as cabeças souberam refrear a impulsão. O público manteve-se sentado. Por enquanto. 

O mais recente 'Duro', tema do disco com o mesmo nome (2019), seguiu-se no alinhamento. Enquanto Gui aconchegava a malha com o saxofone, João Cabeleira descarnava-a com a guitarra. "Está tudo OK?", perguntou Tim ao público. "Este concerto já dura há dois anos", brincou, aludindo às alterações de planos provocadas pela pandemia. "Esta digressão [a dos 40 anos] já devia ter acabado no ano passado", continuou.

'Alepo', que foca as atribulações relativamente recentes na Síria, foi tocada logo depois mas com uma infeliz atualização. "Hoje esta canção podia chamar-se Cabul ou uma dessas cidades martirizadas", acrescentou Tim. Ao longo de quatro minutos, foi praticamente impossível não pensar nas terríveis imagens que têm chegado do Afeganistão. A letra crua de 'Alepo' assenta que nem uma luva ao terror afegão e até a guitarra de Cabeleira chorou, talvez com o desespero dos que estão perdidos, à procura de refúgio. Tim aproveitou o balanço e esticou a voz para fazer sobressair a palavra "paz" como se quisesse abraçar todos de uma só vez. 

Gui voltou ao posto do saxofone para 'Fim do Mundo' e 'Às Vezes' acalmou a noite que voltou a ficar agitada logo depois, com o vivaço Kalú a mostrar a permanente força de braços. O público gingava nas cadeiras. Ouviu-se 'Enquanto a Noite Cai'. 

'N'América', do disco "Circo de Feras", cresceu em ambiente de blues e fez a ponte para 'O Falcão' - a joia da coroa do alinhamento para os fãs mais dedicados. "É uma emoção estar aqui. Que palco tão grande. Até tenho vergonha", disse Tim. "Esta canção é sobre a ajuda que, às vezes, precisamos para sair das encrencas. É com esta que identificamos os nossos maiores fãs", acrescentou a voz dos Xutos. 
 
'Da Nação' e 'Salve-se Quem Puder' (com o estardalhaço da bateria de Kalú a agitar Cascais e arredores) antecederam o magnânimo 'Avé Maria'. Foi a solene e poderosa visita aos primórdios e a "78/82", o disco de estreia. Por esta hora, a vontade de levantar o corpo estava cada vez mais difícil de controlar, fez-se o que se pôde. 'Remar, Remar' meteu toda a gente a balançar os braços no ar. A introspeção de 'Mar de Outono', que Tim dedicou aos profissionais de saúde que estavam no recinto, chegou para acalmar a vontade de pular das cadeiras, mas assim que ecoaram os primeiros acordes de 'Homem do Leme', o público levantou-se. Era urgente cantar esta de pé, com os braços cruzados lá bem no alto.



A baladona 'Circo de Feras' mereceu mais uma ovação e 'Não Sou o Único' "devolveu-nos", por instantes, Zé Pedro - sempre lembrado, nunca esquecido.

'Contentores', 'Fim de Semana' e 'Dia de São Receber', as duas últimas já no encore, foram recebidas com festa rija - ainda que adaptada às circunstâncias - com toda a gente no recinto a libertar doses e doses da energia que esteve contida ao longo de ano e meio. O grito de Kalú - o famoso "aiiiiiiiiiiiiiiii a minha vida" refletiu isso mesmo. O baterista dos Xutos exorcizou tudo (mas tudo) naquele grito. Nós também. 

O final foi com a luz acesa a pedido dos Xutos. "Foi uma noite e peras", disse Tim, que estava visivelmente feliz com a sensação de vida que, finalmente, se soltou das quatro paredes do confinamento. A única casinha ali - e para terminar em uníssono - foi a dos Xutos. Aiiiiiiii, as saudades que já tínhamos disto!     
       
 






    


 

Mais Notícias