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09 setembro 2021
17:30
Tânia Paiva

Novo imposto sobre o carbono: "Não queremos que seja o consumidor a suportar mais custos nos produtos"

Novo imposto sobre o carbono: "Não queremos que seja o consumidor a suportar mais custos nos produtos"
AP
Eurodeputada Sara Cerdas, da Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu revela mais detalhes sobre o novo imposto sobre o carbono para as importações, que a Comissão Europeia vai criar, para que quem mais polui pague mais.

A introdução de um novo imposto sobre o carbono para importações na União Europeia (UE) é uma das medidas que está em discussão e que faz parte do plano "Fit for 55" ("Preparados para 55", em português).

Este plano faz parte de um pacote de propostas legislativas, que foi apresentado em julho deste ano, para alcançar a meta de reduzir as emissões de Co2 em pelo menos 55%, até 2030 na UE.

O objetivo é aplicar à indústria e empresas que exportam produtos para a União Europeia o conceito de poluidor pagador, ou seja, empresas de setores altamente poluentes, como fábricas de energia ou instalações industriais, passarem a ser taxadas porque vão precisar de comprar licenças de emissão de carbono.

O Parlamento Europeu está a discutir esta nova taxa de carbono sobre produtos importados para impedir a fuga de carbono, tentando travar uma transferência da produção industrial para países com menores normas de emissões e com regras ambientais menos ambiciosas do que as da UE. Além disso, na base desta medida está também a necessidade de garantir que determinados produtos importados não sejam mais baratos do que o produto equivalente produzido dentro da União Europeia. 

Mas será que um novo imposto vai significar mais custos para os consumidores quando adquirirem determinados produtos feitos fora do espaço da União Europeia?

Questionámos Sara Cerdas, eurodeputada do PS e membro da Comissão de Ambiente do Parlamento Europeu, que afirma que o objetivo é evitar que seja o consumidor a suportar custos acrescidos, mas admite que esse trabalho ainda está em curso e por isso não há certezas em relação ao peso que este novo imposto sobre o carbono para as importações vai ter na carteira dos consumidores. 

"Este imposto sobre o carbono poderá ser mais uma linha de financiamento para a União Europeia e visa ir ao encontro daqueles que são os grandes poluidores, de acordo com o princípio poluidor pagador, fazer com que aqueles que emitem mais também paguem aquilo que é devido e que não vão para mercados terceiros, ou seja, existir um mecanismo para que quando vão para mercados terceiros não consigam de certa forma ultrapassar estas regras. Em termos de custo para o consumidor, essa é uma das grandes reivindicações do S&D ( Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, grupo político no PE) porque nós queremos que esta transição seja justa, portanto estamos a desenvolver mecanismos para que não haja um custo extra para o consumidor final porque sabemos que grande parte destas alterações irá afetar toda a gente e toda a sociedade", afirma Sara Cerdas. 

Esta é uma das medidas que faz parte do plano "Fit for 55"/"Preparados para 55", apresentado pela Comissão Europeia há cerca de dois meses. Que plano é este e o que pode mudar na prática em matéria de combate à crise climática que vivemos? 

"Nós temos acima de tudo o maior pacote legislativo que está atualmente a ser discutido no Parlamento Europeu e nas instituições europeias, o "Fit for 55"/"Preparados para 55". São 12 grandes propostas legislativas que vão desde questões como o comércio das emissões, as emissões da agricultura, transportes e edifícios e que visam atingir aqueles que são os objetivos climáticos (da UE): reduzir em pelo menos 55% as emissões em 2030 e alcançarmos a neutralidade climática em 2050. Este é o grande foco e advém do Pacto Ecológico Europeu (Green Deal) que foi uma das grandes bandeiras de Ursula von der Leyen, e esperamos que agora a presidente da Comissão Europeia no seu debate sobre o Estado da União vinque bem aqueles que são os seus objetivos para esta ação climática que queremos o mais emergente possível". 

Acha que já há uma maior consciência e mais alargada por parte da sociedade para este problema das alterações climáticas?

"Sim, principalmente os jovens têm sido uns dos principais reivindicadores destas matérias, nós já temos maior perceção que isto é uma real emergência, mas gostaria de ver mais ação da parte do mercado. Sabemos que o mercado cinge-se pela dualidade da oferta e da procura, portanto, nós enquanto consumidores podemos ter escolhas mais sustentáveis, mas também da parte da indústria seria importante termos acessibilidade a essas mesmas soluções, ou seja, um trabalho entre todos para tentarmos atingir e termos acesso a produtos que sejam menos poluentes, com menor pegada, com menos emissões e isso é algo que estamos a iniciar agora e que eu gostaria de ver mais desenvolvido e aprofundado nos próximos anos". 

Parece-lhe que a indústria e as marcas ainda não estão lá?

"As marcas ainda não estão lá. Eu dou um exemplo, eu vivi na Suécia onde conseguia arranjar detergentes de roupa com cerca de zero de pegada ambiental, enquanto que em Portugal ainda é muito difícil ir a uma grande superfície e encontrar produtos semelhantes, ou seja, existe uma certa desigualdade entre os países da UE e nós queremos nivelar por cima, ver o que são as boas práticas e que essa partilha de boas práticas seja uma realidade a 27 e de forma a sermos os líderes mundiais neste combate às alterações climáticas."

Para que a indústria e as marcas acelerem essa mudança poderão ser necessárias determinações ou medidas por parte da Comissão Europeia mais firmes, para que todos os estados-membros cumpram?

"Um dos pacotes legislativos deste "Fit for 55" será o estabelecimento de metas nacionais, portanto, a nível da União Europeia temos os nossos objetivos, mas sabemos que há diferenças entre os 27 estados-membros, isto é uma união, não somos um projeto federativo e o que iremos ter são metas nacionais de acordo com a realidade de cada país e depois de acordo com a realidade de cada região. Eu venho da Região Autónoma da Madeira e claro que a minha pegada ambiental para chegar a Bruxelas é diferente de um colega que parta de Lisboa e isto são tudo questões diferenciadoras que têm de ser tidas em conta nesta transição."

O que o atual Governo português tem feito em matéria de política ambiental e de combate à crise climática poderia ser mais ambicioso?

"Portugal já é um dos países mais ambiciosos na UE em termos de metas climáticas e ambientais, o que nós agora queremos é que a UE trabalhe muito bem esta legislação (do plano "Fit for fit 55") para que depois seja replicada o mais rapidamente possível a nível nacional, regional e local, esta última que é também muito importante. Para isso temos de dar condições para que esta transição seja uma realidade porque não podemos, por exemplo, pedir a um agricultor para ter um trator movido a motor elétrico numa das montanhas da Madeira, porque simplesmente é difícil ter postos de carregamento perto de um ponto de cultivo numa serra da Madeira. Isto para dar um exemplo concreto, é preciso adaptar àquilo que são as realidades a nível local, não apenas nas zonas urbanas, mas também nas zonas rurais."

Além de ser eurodeputada e membro da Comissão do Ambiente e Saúde Pública no PE, a sua formação é em medicina, mais concretamente é médica de saúde pública. Que comentário faz à posição conjunta divulgada esta semana por mais de 200 revistas e publicações médicas e científicas que publicaram um editorial conjunto a avisar que as alterações climáticas são a maior ameaça para a saúde pública neste momento. Revê-se nesta posição? 

"Eu revejo-me muito nesta posição, aliás esta ligação entre o ambiente, as alterações climáticas e a saúde já foi estabelecida em 2008, na altura eu estava a iniciar a faculdade de medicina e portanto é algo que eu fui ouvindo falar ao longo de todo o meu curso. É preciso saudar esta iniciativa das revistas com maior impacto na medicina chamarem à atenção para esta crise climática que é a principal ameaça à saúde pública nos nossos dias e depois com diferentes nuances para as diferentes pandemias, covid-19, resistência aos antimicrobianos e outras questões que irão afetar a saúde humana."

Quando mais de 200 publicações médicas e científicas se juntam para fazer este aviso à sociedade e aos próprios líderes mundiais, isto significa que estamos perante uma ameaça muito séria?

"Isto é uma chamada de atenção mas já em última linha, para os decisores políticos mundiais tomarem as rédeas deste assunto que é o combate às alterações climáticas. Tivemos os movimentos de cidadãos com os nossos jovens a fazerem a greve pelo clima todas as sextas-feiras, temos agora 200 revistas médicas a estabelecer que isto é a maior ameaça à saúde pública, e claramente que nós temos de fazer com que esta ação se desenvolva o mais rapidamente possível. Os últimos dados indicam que nós temos 11 anos para limitar o aumento da temperatura em 1.5º graus e isso significa que temos de trabalhar de forma emergente, talvez até como trabalhámos contra a covid-19."

Pode ouvir a entrevista completa aqui: