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19 janeiro 2022
07:00
Gonçalo Palma

Elis Regina morreu há 40 anos

Elis Regina morreu há 40 anos
Associated Press
Uma das mais belas vozes do século XX: expressiva, com uma enorme alma e muita classe.

Há precisamente 40 anos, calou-se a voz de Elis Regina a 19 de Janeiro de 1982, em São Paulo. O coração não aguentou a mistura explosiva de cocaína com tranquilizantes e álcool. A morte da cantora mobilizou um dos maiores cortejos fúnebres de sempre no Brasil, com mais 100 mil pessoas nas ruas, cobertura televisiva em direto e filmagens de helicóptero, o transporte que originou vários trocadilhos por causa do seu estilo exuberante e gestual de cantar: chamaram-lhe de Hélice Regina ou de Elís Cópetro.

Considerar Elis Regina como uma das maiores cantoras da música brasileira é pouco. Elis Regina foi mesmo uma das maiores cantoras do século XX em todo o mundo.

Oriunda de Porto Alegre, no sul do Brasil, a adolescente Elis Regina torna-se estrela de rádio gaúcha, e aos 15 anos lança o seu primeiro álbum: "Viva a Brotolândia".

 

Com a ajuda da televisão, Elis Regina rapidamente se torna notada em todo o Brasil, graças à vitória do 1º Festival de Música Popular Brasileira, em 1965, através do tema 'Arrastão'.

 

Nesta escalada para um plano galáctico nos loucos anos 60, Elis Regina começa a ter o apoio do seu primeiro marido, o empresário e compositor Ronaldo Boscôli, que é decisivo na mudança da imagem da cantora, para o corte de cabelo curto que lhe fez a imagem.  

Em 1968, Elis Regina vem a Portugal, onde dá um concerto em Lisboa. A RTP faz uma longa peça com a cantora, em que intercala uma entrevista com os seus passeios pelo nosso país e com a sua atuação na capital (e os ensaios). Vemos Elis Regina em vários cenários bem portugueses. Aproxima-se de pescadores, tenta falar com um pastor e viaja de carro até ao Alto Alentejo, a Arraiolos, onde vai ver várias mulheres a tecer os famosos tapetes da terra. Força um pouco o nosso sotaque mais austero quando diz "uma casa portuguesa com certeza", citando a canção popular interpretada por Amália Rodrigues, ao apreciar o chão semelhante ao da sua casa. Elis Regina caminha de dia pela Baixa Pombalina, em Lisboa, e aprecia o Elevador de Santa Justa. De noite, vemo-la em pensamentos introspetivos numa varanda com vista para Lisboa e, depois, a subir a Avenida da Liberdade. Debaixo de chuva e com os vidros embaciados do carro, Elis Regina é ainda conduzida pela Marginal, entre Lisboa e Cascais, enquanto vai folheando alguns papéis.

 

 

A pequena e tímida Elis Regina afirma-se como uma gigante em palco, com a sua enorme garra e uma das vozes mais musicais de sempre.

Em 1971, o tema composto por Ivan Lins, 'Madalena', torna-se um dos maiores êxitos da cantora brasileira, que passa a ter assistências de mais de 100 mil pessoas em alguns concertos.

 

Elis Regina usa o seu estatuto de popularidade para criticar a ditadura militar brasileira que subtilmente ameaça a cantora e a obriga a cantar o hino nacional nas Olímpiadas do Exército, em 1972. O ato de Elis Regina desiludiu muitos dos oposicionistas do regime. Mas Elis sempre lutou por uma democracia que já não chegou a viver.

Apesar das polémicas políticas, o efeito do sucesso de 'Madalena' jamais se esvaziou. 

A partir do álbum de 1972, "Elis", Elis Regina passa a ter como diretor musical o arranjador César Camargo Mariano, que se torna o seu segundo marido e talvez o homem da sua vida. Nesse disco, “Elis”, a cantora conhecida como Pimentinha volta a cantar os grandes compositores, tanto os desconhecidos, como os mais reconhecidos como Chico Buarque, Ivan Lins e o habitual Milton Nascimento. 

No álbum “Elis”, Elis Regina também grava outro grande compositor, o monstro do bossa nova Tom Jobim, com a canção 'Águas de Março', que volta a gravar num dos álbuns mais históricos da música brasileira... Falamos do disco de 1974, “Elis & Tom”, que junta os dois gigantes para o único álbum a que Elis Regina se dedicou na totalidade a um só compositor: Tom Jobim.

 

Em 1977, quando tem a sua filha Maria Rita, hoje com carreira de cantora, Elis Regina tem finalmente a sua sonhada casa no campo, não muito longe de São Paulo. Apesar da asfixia da ditadura militar brasileira, a carreira de Elis Regina continua a correr de feição.

O seu espectáculo teatral "Falso Brilhante" é um sucesso de bilheteira e esteve em cartaz no Brasil entre 1975 e 1977, com mais de 1200 actuações.

O sucesso é tal que se torna necessário eternizar "Falso Brilhante" num álbum de estúdio, onde está uma das suas mais deslumbrantes interpretações, a versão em português de 'Fascination', canção tantas vezes usadas em clássicos do cinema.

Elis Regina regressa a Portugal, atuando no Teatro Villaret, em Lisboa, no final dos anos 70.

 

Mulher de sambas com tempos jazzísticos e com um enorme carisma em palco, Elis Regina não parava de aperfeiçoar a classe vocal.

Em 1980, Elis Regina teve em mãos o espectáculo “Saudades do Brasil” que molda grande parte do show televisivo gravado para a Globo nesse mesmo ano. O drama da ruptura conjugal da canção de Chico Buarque, 'Atrás da Porta', fica à vista na TV, nas lágrimas de Elis Regina, que se estava a separar do marido e seu arranjador César Camargo Mariano, presente naquele mesmo programa, como diretor de banda. A Elis Regina do lar e a Elis Regina do palco não se distinguiam. A isso se chama de autenticidade.

 

 

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