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09 agosto 2022
12:15
Gonçalo Palma

Natiruts: "os Marley aplaudem o nosso som"

Natiruts: "os Marley aplaudem o nosso som"
Thais Mallon (cortesia da promoção)
Entrevista a Alexandre Carlo, o cantor da banda, que vem a Portugal para quatro datas ao vivo.

A grande comunidade de fãs de reggae em Portugal vai ter mais um acontecimento agregador, com a série de quatro concertos dos brasileiros Natiruts no nosso país: a 12 de agosto no RDV Summer Festival, em Faro; a 13 de agosto no Casino da Figueira, na Figueira da Foz; a 26 de agosto no Casino Estoril, no Estoril; a 27 de agosto, na Super Bock Arena, no Porto. 

A conversa com o fundador e cantor dos Natiruts, Alexandre Carlo (à esquerda, na foto, onde está o outro fundador, o baixista Luís Maurício), tomou um rumo biográfico sobre a banda e o próprio entrevistado, onde os Marley e os Cidade Negra são incontornáveis.  

O que é que podemos esperar dos vossos concertos em Portugal?
A primeira novidade são as canções novas. Não tocamos em Portugal desde 2018. Os últimos concertos foram nos coliseus do Porto e de Lisboa. De lá para cá, lançámos mais dois trabalhos: "I Love" [de 2018] e "Good Vibration Vol. 1" [de 2021], feitos durante a pandemia. A primeira novidade é essa. A segunda novidade é que a banda mudou um pouco. Portanto, teremos uma tonalidade diferente e uma forma diferente de tocar as canções. 

 

São quantos músicos em palco, atualmente?
Eu acredito que sejam 11. Eu precisaria de contar, mas devem ser uns dez ou onze.

Costumam vir cá muitas vezes. É sempre especial tocar em Portugal?
É especial desde a primeira vez, quando pensávamos que a audiência era só brasileira, o que já seria muito bom. Foi num lugar do Porto chamado Alfândega. Para nossa supresa, havia mais portugueses que brasileiros. De lá para cá, tem sido sempre assim. Fiquei feliz das canções terem ultrapassado as fronteiras e fazerem com que tenham sentido para uma outra cultura, mesmo que seja similar.   

Quando é que surgiu a tua paixão pelo reggae?
Acredito que tenha sido quando eu tinha 19 ou 20 anos de idade. Em 1993, eu tinha 19 anos, e o meu irmão trouxe uma cassete de uma coletânea de êxitos do Bob Marley do final dos anos 80, o "Legend". Eu já conhecia, mas não sabia bem quem era o Bob Marley. Ali, fui-me arrumando no quarto e ouvindo aquela sequência de canções. Aquelas canções pegaram-me. Dali comecei a interessar-me por toda a música jamaicana, primeira pela coletânea do Bob Marley, depois pelos outros discos dele. Não havia internet, nem YouTube, nem streams. E o reggae não era o que é hoje no Brasil. Não havia discos de reggae [nas lojas], somente o "Legend". Então, eu tinha que importar. Achei uma loja de discos na Inglaterra, em que se mandava um envelope com o dinheiro dentro. Eles tinham um catálogo em que indicávamos os discos que eles tinham. Não poderiam ser muitos, porque eram muito caros em libras. Tinham que ser só dois por mês. Mandava uma carta com dinheiro e voltava uma caixa com os discos. Fui começando assim a minha coleção de discos. Lembro-me que o primeiro disco [comprado] foi do Mad Professor. Nessa altura, eu já estava à procura de algo diferente de Bob Marley, nas poucas publicações que havia na época. Não havia YouTube, mas já havia internet, porque eu estudava informática na universidade de Brasília e [tinha acesso através do] laboratório. Tive contato com o lado mais psicadélico do reggae, que é o dub. 

Quando é que passaste de ouvinte a músico de reggae?
A partir daquele momento [de descoberta do dub], [pensei]: "a minha história como compositor será a de mesclar outros elementos com o reggae tradicional". Em 1994, acho que a minha memória está correta, fiz 'Presente de um Beija-Flor', 'Liberdade pra Dentro da Cabeça', essas canções que estiveram no primeiro disco da banda, "Nativus" [lançado em 1997]. Eu já tocava violão em 1994, e nessa altura havia muitas bandas de rock famosas em Brasília, que era conhecida como a capital do rock. Eu estive nalgumas bandas rock não muito espetaculares. Quando comecei a compor reggae, comecei a sentir-me mais à vontade. Aí começaram a aparecer as prmeiras canções. Aquelas que citei - 'Presente de um Beija-Flor', 'Liberdade pra Dentro da Cabeça' - tornaram-se grandes fenómenos à época, no Brasil.     

 

Tens algum tema preferido do Bob Marley?
'Jamming', pela batida diferente, conecta com outros universos diferentes. 'Natty Dread' tem um arranjo de metais muito poderoso. A parte em que vai para os acordes menores é muito emotiva. O grande êxito 'Is This Love?' é muito bem construído, a letra é muito bonita e o clipe também, com ele e as crianças em Inglaterra. É uma fase já bastante madura de Bob Marley. O arranjo é muito bonito e o riff é sensacional. A letra é muito sucinta e fala tudo.

Bandas reggae como Cidade Negra, ou artistas de MPB como o Gilberto Gil e Jorge Ben Jor, ou até uma banda rock como os Paralamas do Sucesso, que picavam nos estilos jamaicanos, foram também uma referência para vocês?
Principalmente, os Cidade Negra, porque havia um grande preconceito no Brasil contra o reggae, a cultura africana e o uso de marijuana. Havia também a questão racial. É uma música proveniente de uma ilha da América Central em que 90% da população é negra. Havia também um preconceito contra a condição da própria ilha, que era pobre, ao contrário do rap, do rock e da soul, que vêm de uma nação poderosa como os Estados Unidos. Uma banda de reggae como os Cidade Negra conseguir entrar no mainstream da música brasileira e tornar-se na primeira a fazer isso, realmente nos influenciou bastante. Os outros artistas que você citou, respeitamos muito, especialmente o Gil, que é um ícone e uma pessoa muito especial dentro da música brasileira. Mas em relação ao reggae, não contribuiu tanto como os Cidade Negra. Havia bandas rock a fazerem reggae, artistas de MPB a fazerem reggae, mas não agregavam aqueles preconceitos que existiam. Não podiam dizer: "eu sou um artista de reggae". Havia um preconceito e uma dificuldade na época em se entrar nos meios de comunicação. Os Cidade Negra foram realmente os primeiros a conseguir isso. Eu, como compositor principal da banda, sempre me influenciei por eles.   

Houve uma cena rock em Brasília nos anos 80 que conquistou o Brasil - sobretudo os Legião Urbana e os Capital Inicial. Essa expansão nacional de bandas de Brasília deu-vos a confiança para conseguirem o mesmo?
Sem dúvida, foram os primeiros a mostrarem-se. Apesar de estarmos longe dos centros comerciais, que eram o Rio e o São Paulo, existe uma possibilidade de sermos bem sucedidos no Brasil inteiro saindo de Brasíla. Nesse sentido, essas bandas deram confiança a outras, apesar de serem de outros estilos, apesar dessa possibilidade.   

Já alguma vez tocaram na Jamaica? 
Não, nós fizemos um clipe nos anos 2000. Estivemos [na ilha] três dias, foi bem rápido. A partir de 2012, do acústico no Rio ["Natiruts Acústico"], é onde se fundamenta o que são os Natiruts, que é uma mescla entre as músicas brasileira e jamaicana. A partir daquele álbum e daquele filme, começa o respeito dos jamaicanos para com Natiruts. "OK, esses caras sabem fazer reggae e fizeram uma coisa bem legal e bem diferente". A partir dali, [surgem] as conversações com produtores e artistas jamaicanos, como a participação do Ziggy Marley em 'América Vibra'. Esse respeito começou a partir dali e também essa ventilação de que um dia possamos estar a tocar na Jamaica. 

Foi para ti especial estar na ilha da Jamaica?
Sim, pelo facto cultural. É uma ilha onde encarnou um indivíduo chamado Robert Nesta Marley que mudou a cultura mundial. Se não houvesse Bob Marley, não haveria reggae no Brasil como há hoje. Ele é um grande compositor, melodista e letrista. Essa questão espiritual meio-messiânica e a questão da maconha põem de lado o grande talento como compositor e como intérprete, como uma voz extremamente característica, uma das maiores da história recente da humanidade. Tudo isso fica de lado, mas para mim não. Ele é um compositor tão bom como o Stevie Wonder e um intérprete tão bom como o Michael Jackson. Falando dos grandes compositores como o Tom Jobim, o Caetano Veloso ou o Gilberto Gil, ele faz parte desse rol de artistas que mudaram a cultura de um país e a música mundial também. 

 

Imagino que para ti ir à Jamaica é como um muçulmano ir a Meca.
Mais ou menos. Eu não tenho religião. Não acredito que tenha que haver um interlocutor entre nós e Deus, apesar de eu conhecer alguns líderes espirituais muito sérios e que são muito importantes para essa conexão. Mas a forma como alguns interlocutores se colocam entre Deus e o ser humano transforma-se numa forma de domínio muito prejudicial para muita gente. Essa comparação em relação a Meca para mim não vale, apesar da Jamaica ser um país cuja cultura eu gostava de conhecer. 

No «Meu Reggae é Roots«, cantas "Meu Reggae é Roots/Palavras também/Mas o meu coração/É brasileiro". Esta é a melhor definição que se pode fazer da vossa música? 
Acredito que sim. É um resumo. 

Como é que foi ter na vossa música a presença e o timbre de Ziggy Marley, muito parecido com o do pai em 'América Vibra'? Foi como um fantasma de um monstro? 
O Ziggy Marley é um contemporâneo meu. Ele tem 50 anos, eu tenho 48. Vejo-o mais como um irmão, se visse o Bob Marley como um pai. Conversámos sobre várias coisas, como o futebol ou a música. É um cara muito bacana. O foi que foi marcante foi a representatividade da família Marley, que dito é como: "OK, esses caras fazem um reggae bacano e vamos lá. A família Marley aplaude o som de Natiruts". Acho que isso foi o que deixou a gente mais feliz.

 

É uma honra tocarem no palco principal do festival Rototom Sunsplash, em Benicàssim [Espanha] onde vão atuar nomes como os Skatalites, o Damian Marley, o Horace Andy, ou o Burning Spear?
Sem dúvida! Primeiramente, representar o Brasil. E depois essa coisa do reconhecimento do povo que criou o reggae, juntamente com o Burning Spear, que vai retornar - um dos nomes principais que é um cara que admiro bastante e um dos nomes principais da história do reggae. E ficamos felizes para caramba por tocar num festival mundial como o Rototom, pelo tamanho que tem e pelo que se transformou. 

De que vai tratar o documentário e quando vai sair?
A cada ano, fica adiado para o outro ano. Já está virando uma lenda esse documentário, Vão surgindo outras coisas para se colocarem. É uma história de 25 anos. Obviamente, o documentário vai contar a história do grupo. Os fãs da banda vão ter muitas surpresas agradáveis, de concertos antigos, de entrevistas, de filmagens pessoais em camarins, os ensaios iniciais em Brasília. Estamos demorando a terminar o documentário. E depois há o formato. Quando pensámos no documentário, o formato idealizado era o DVD, quando esse formato ainda funcionava. Hoje há mais o sentimento de série, com dois ou três episódios. Então houve esse lado de reconstrução. 

O que é que podemos esperar do segundo volume de "Good Vibration"?
Estamos ensaiando as canções. Fiz algumas demos em casa. Já há algumas ideas para arranjos. Eu passo as demos para a banda e começamos a ensaiar. Depois da digressão europeia, em setembro, já estaremos mais ensaiados e começaremos as gravações. O "Good Vibration Vol. II" vai sair noutros formatos. Vimos que é melhor sair single por single. Vai saindo música por música. Acredito que em outubro vá sair a primeira música do "Good Vibration Vol. II".    

    


 
 

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