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06 setembro 2022
07:30
Gonçalo Palma

Festival Motelx atormenta Lisboa a partir de hoje

Festival Motelx atormenta Lisboa a partir de hoje
Filme Dark Glasses (cortesia Motelx)
O filme de regresso de Dario Argento, "Dark Glasses", é um dos pontos fortes da programação do evento.

As salas de cinema do São Jorge e da Cinemateca, em Lisboa, vão estar mais escuras do que o normal, devido às assombrações dos filmes da 16ª edição do festival Motelx, cuja programação principal começa hoje e termina no dia 12. 

Dario Argento, que regressa com o filme "Dark Glasses" (na imagem em cima, com a sua filha Asia Argento no elenco), e Paulo Branco, em destaque na secção O Quarto Perdido, são dois dos protagonistas principais do Motelx de 2022, que asseguram sessões de mastersclass nesta edição. 

Pedro Souto, um dos dois diretores do festival, diz em entrevista à nossa rádio que "o festival vai voltar num formato mais intenso, com muitas sessões por dia. Vai haver dias com 14 sessões. [Há] muitos filmes para escolher, [com] poucas repetições. Portanto, não vai ser possível ver todos os filmes da programação, mas asseguramos que vai ser uma semana inesquecível, de terça a segunda-feira. O encerramento mantém-se no domingo, dia 11, onde serão anunciados os vencedores das curtas portuguesas e também das longas europeias, o prémio do público e outras surpresas". 

 

Pedro Souto explica tudo sobre a 16ª edição do festival de cinema mais assustador do país.

 
O festival vai ser assombrado pelo cinema de terror português. O empurrão é dado pelo livro "O Quarto Perdido do MOTELX - Os Filmes do Terror Português (1911-2006)". 
Tudo começou em 2007, com algumas curtas portuguesas, um pouco timidamente. Depois, penso que revolucionámos no âmbito do festival em 2009, com o prémio para a melhor curta-metragem portuguesa e ao mesmo tempo lançámos a secção Quarto Perdido, que começou essa pesquisa e procura pelas raízes de um hipotético cinema português de terror, com a “Dança dos Paroxismos” e um cineconcerto de Legendary Tigerman e da Rita Redshoes. Continuámos ano após ano, com o apoio da RTP e da Cinemateca, à procura daquilo que poderia ser considerado terror. Chegámos a encontrar a luso-exploitation e outros filmes perdidos e também séries televisivas, como da Noémia Delgado. Fizemos algumas exibições, algumas de filmes desconhecidos, outras de filmes que já há algum tempo não passavam, como "Os Canibais" do Manoel de Oliveira. Fomos fazendo essa redescoberta que, no contexto do festival, tinha todo o sentido. O cinema português também estava a começar, especialmente no formato de curtas-metragens [de terror]. Fomos, paralelamente, fazendo este acompanhamento do contemporâneo com o antigo, tentando sugerir e divulgar o terror ou o que achámos que tinha indícios de terror. Passados estes anos todos, quisemos fazer este compêndio, com um objeto físico para memória futura, com uma série de convidados a falarem sobre vinte e tal filmes. Esta lista vai de 1911, com "Os Crimes de Diogo Alves", de que vamos fazer uma exibição especial no Teatro São Luiz [no Chiado, em Lisboa], já durante o festival e que vai ter música ao vivo da Escola Superior de Música de Lisboa, com uma composição de Bernardo Sassetti, que era grande fã de terror e do filme "Os Crimes de Diogo Alves", do João Tavares. Vamos também ter uma conversa sobre cinema mudo e cinema de terror. Isto será logo no segundo dia do festival. Durante o warm-up [que decorreu entre 1 e 3 de setembro], exibimos "O Fauno das Montanhas", um filme de 1926, a partir de um projeto muito interessante, que tem tido muito sucesso, que é o FILMar que, com a Cinemateca, tem recuperado filmes ligados ao mar. Neste caso, vamos mostrar uma fantasia passada na ilha da Madeira. É um filme fantástico que vai ter música ao vivo, pela Orquestra Metropolitana de Lisboa. Depois complementamos, com o destaque de Quarto Perdido deste ano, que vai ser o Paulo Branco, que vamos arriscar chamar como o produtor do cinema de terror português, que tem no livro quatro ou cinco filmes. Vamos passar neste ano "O Convento", de Manoel de Oliveira, "O Fascínio", de José Fonseca e Costa, e o "Coisa Ruim", do Frederico Serra e do Tiago Guedes. [Curiosamente] O Frederico Serra vai ter um filme novo em competição, o "Criança Lobo". 


 
Foi fácil contar com a participação do Paulo Branco e com o seu aval? 
Foi fácil, fizemos-lhe o convite e o desafio com esta etiqueta. Acho que vai ser interessante ouvir o seu ponto de vista, na conversa que tivermos com ele, numa masterclass aberta a todos [às 19h00 de dia 11, na sala 2 do São Jorge]. Com os anos e com a bagagem de filmes de terror e de género ao longo das nossas vidas, consegue-se ter uma perspetiva mais geral e uma análise. As pessoas têm adorado encontrar estas obras perdidas [na secção Quarto Perdido]. O Paulo Branco tem mais de 400 filmes produzidos. Serão poucos os filmes do universo do terror. Mas tem filmes de género de certeza. E ele pode partilhar connosco algumas histórias. Vai ser bom até para percebermos porque é que não há mais [filmes de terror em Portugal].
 
Temos filmes de cineastas que não são de género como o Manoel de Oliveira e o José Fonseca e Costa. No fundo, o vosso trabalho de programadores é o de apanharem aquilo que não é tão óbvio como sendo um filme de terror.
Sim, concordo. Com este festival e com esta secção do Quarto Perdido, há essa possibilidade de incluirmos estes filmes e de chamar a atenção que podem ser integrados neste género, sem que isso possa ser prejudicial, muito pelo contrário. Para as estratégias de distribuição e promoção, é complicado incluir filmes no universo de terror, de género, do fantástico ou do que for, porque há ainda algum receio do filme se tornar de nicho. O que temos verificado é que o nicho já não é tão nicho, o público tem vindo a aumentar nos cinemas e isso reflete-se no filmes de terror. Há uma série de blockbusters, há uma série de filmes independentes com sucesso. Portanto, já não há assim tantas razões para estes filmes ficarem ligados ao cinema puro de autor e de ensaio, quando podem coexistir nestes meios [do terror e do género]. Lembro-me quando o "Coisa Ruim" saiu na altura, era muito difícil que os realizadores [Tiago Guedes e Frederico Serra] aceitassem que o filme pudesse estar ligado ao cinema de terror, quanto mais apresentá-lo como sendo um filme de terror. Penso que hoje em dia, isso já não acontece tanto.
 
Há alguma marca distintiva do cinema de terror português?

O que nós nos apercebemos é que há um grande foco na questão do folk-horror, na ideia das raízes do folclore e das lendas e desse choque entre cidade e campo e entre cidade e natureza. Na programação das curtas-metragens, procurávamos que não houvesse influências anglo-saxónicas demasiado marcantes. Apercebemo-nos, de forma natural, de uma identidade em comum na seleção das curtas. Essa procura pelas raízes acaba por existir também nos cineastas mais jovens. Isso verifica-se no livro já compilado de todos os filmes, há esse ponto esse ponto em comum. 


 
Curiosamente, temos na competição deste ano duas longas-metragens inspiradas no Portugal rural: "Criança Lobo", de Frederico Serra, e "Os Demónios do Meu Avô", de Nuno Beato. 
O filme "Criança Lobo" anda por esse caminho das lendas, das comunidades pequenas, do preconceito e desse medo que vai crescendo dentro da comunidade de certos rituais violentos. Lá está, é interessante e de salutar conseguimos buscar essas raízes e criarmos filmes de terror, sem que pareça uma coisa artificial. 
"Os Demónios do Meu Avô" é uma mistura de duas técnicas de animação e também nos traz esse universo. São abordagens completamente diferentes, mas têm esse ponto em comum. 


 
Como é que é o livro "O Quarto Perdido do MOTELX - Os Filmes do Terror Português (1911-2006)"?
O livro vai ser composto por uma lista de vinte e tal filmes. Convidámos mais ou menos o mesmo número de autores para esses filmes. Foi uma coordenação do João Monteiro, um dos diretores do festival, e a Filipa Rosário. E temos nomes como o Pedro Mexia, que vai escrever sobre o "Aparelho Voador a Baixa Altitude", da Solveig Nordlund. Temos também o Tiago Cavaco, ou o Tiago Bartolomeu Costa, um dos coordenadores do projeto FilMAR, a escrever sobre curtas-metragens, a Sabrina Marques, o Paulo Cunha, alguns académicos, que nos vão dar esta visão, que não só a análise do filme mas também a contextualização e uma perspetiva com a distância, que nos vai trazer outro conteúdo. Esperamos que com o plano de digitalização do cinema português em curso, com o PRR, que no futuro, muito em breve, possa haver mais sessões destes filmes, alguns deles que esperamos poder contribuir para isso. O livro vai ter uma série de imagens destes filmes, que conseguimos recolher ao longo destes anos. O livro vai ter duzentas e tal páginas e vai ser lançado durante o festival, no fim-de-semana de 10 e 11.
   
É inegável, um dos pontos fortes da programação é o novo filme de Dario Argento, "Dark Glasses", o primeiro em dez anos dele - mais uma vez com a participação da filha, Asia Argento. 
O "Dark Glasses" foi uma bela surpresa. Estreou-se no Festival de Berlim. É um filme que vai reunir não só os fãs, como os curiosos do género, porque [Dario Argento] é uma lenda viva ainda no ativo, que regressou em grande forma e que esperamos continuar a ver. Incluir a filha Asia Argento traz sempre aquele toque especial. Já sabemos mais ou menos o que ele vai fazer à personagem da filha. Acaba sempre por ser divertido de ver essas variações e o que é que o Daria Argento, com a sua idade [81 anos] pode oferecer de terror e de giallo


 
Há aqui filmes que alargam o conceito de terror, como a comédia e remake "Final Cut", ou longas-metragens cujo medo envolve sensiblidades religiosas, como o iraniano "Holy Spider".  
Concordo,  o "Final Cut" é um caso muito interessante. O original é um filme japonês [One Cut of the Dead] que exibimos há alguns anos e ganhou o prémio do público. Este remake faz algumas variações, é francês e o realizador é o Michel Hazanavicius, do filme "O Artista". Foi para nós interessante saber que foi o filme de abertura do Festival de Cannes. Não é comum abrirem com um filme de zombies. Já aconteceu com o Jim Jarmusch. É sempre bom apercebermo-nos destes festivais mais generalistas que nos oferecem estas obras. Tem uma série de atores franceses conhecidos. Vamos ver como é que o humor francês resulta em Portugal. É também um desafio para os fãs do filme original. Acho que é mais um filme que vai ter grande adesão do público. 


[Sobre "Holy Spider"] Estamos perante um realizador que nos tem feito propostas arrojadas. O Ali Abbasi já esteve presente no festival, curiosamente com o seu primeiro filme ["Shelley"]. Com o "Holy Spider", faz uma reflexão sobre estas temáticas. Mesmo para um festival de terror, é um filme muito forte. É desconcertante. Estamos perante um serial killer. Não estamos habituados a estas referências do Irão, em certas áreas pode tornar-se uma sociedade bastante violenta. Temos uma visão incrível de um realizador, a música é uma banda sonora perfeita e traz-nos uma forte personagem feminina. A jornalista é também uma mulher de força e não vai desistir. 


 
Há margem para um olhar a outras expressões de terror, como a música, de artistas como Kate Bush, The Cramps, Fever Ray, Screamin' Jay Hawkins ou os Bauhaus, que não são músicos de género mas quase?
Às vezes, não é fácil dar esse passo, porque implica algum investimento. Às vezes, temos incluído um videoclipe ou outro. Num warm-up, já tivemos Papillon num espetáculo multi-disciplinar, com um texto de Gonçalo M. Tavares. Vamos fazendo algumas experiências, que acabam por ser pontuais, se calhar mais focadas neste período de Warm-Up, que é muito propício a essa experimentação. Já falámos em avançar para esses campos, mas é complicado. Um dos desafios era o concerto do John Carpenter. Era muito fácil fazer essa ligação entre música e cinema. Já tivemos algumas ideias com músicos ligados ao universo do terror, mas são operações extremamente dispendiosas. Talvez tivéssemos que começar com uma secção experimental mais pequena ou mais dedicada a outras áreas. Todos os anos nos apercebemos que há muitos filmes para mostrar mesmo. Às vezes, é difícil arranjar espaço para outras coisas e fugir desse foco. Mas quem sabe, no futuro.

Todas as informações sobre a programação e os bilhetes podem ser consultadas no site oficial Motelx. 

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