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04 dezembro 2019
00:52
Silvia Mendes

Raul Midón: a liberdade da música que cabe num homem

Raul Midón: a liberdade da música que cabe num homem
Rúben Viegas
O virtuoso instrumentista norte-americano conseguiu "ampliar" o espaço Time Out. Na sala lisboeta couberam todas as possibilidades da música.

 

Raul Midón comove-nos. Impressiona-nos. Eleva-nos. O músico, compositor e instrumentista abre as fronteiras, cruza linguagens musicais e faz ressoar o batimento cardíaco do mundo com liberdade no ritmo e na  fruição da entrega aos instrumentos e à voz. Esta noite, o estúdio Time Out teve uma dimensão bem maior do que o costume. Na sala lisboeta couberam todas as possibilidades da música.

Uma guitarra acústica, dois bongo drums, um piano e apenas um homem transformaram-se numa pequena orquestra. Com coros e tudo. Midón toca guitarra e percussão ao mesmo tempo, vocaliza o som do trompete, desdobra-se em vozes, varia, com uma naturalidade impressionante, os timbres, segura notas daqui ao céu e ainda canta com uma suavidade comovente pelo meio. É um privilégio ver isto.

O músico norte-americano, cego desde que nasceu, não precisou de muito mais do que ele próprio para provocar uma sensação pura de união na diversidade. E isto só com a música. Ao vê-lo e a ouvi-lo tocar, parece que abraçamos o mundo. O mundo como Midón o vê. Fazemos questão de ficar nesse lugar diverso, de afetos e sons. Queremos ficar mais tempo. O pedido entusiasmado para o encore foi a expressão máxima dessa vontade. Mais do que a técnica apurada e o claro virtuosismo de tamanho acima, está tudo na forma como explora a diversidade musical e na mestria com que a entrega aos outros. Midón facilita-nos a capacidade de imaginar. A de tatearmos o mundo com uma visão bem mais rica que a vista, a visão interior

O instrumentista declara amor à música, e à versatilidade dos sons, nas escolhas de composição, no minucioso processo de estúdio, nos álbuns e, claro, no palco. Na música o que o inspira é o que ama. Talvez seja por isso que não vamos conseguir rotular o que vimos esta noite. Nem queremos. Jazz, soul, blues, r&b, rock, pop, flamenco... afinal, quantos géneros cabem em Raul Midón? Será que podem criar um género musical só para Raul Midón? Merecia.

Um aplauso sentido recebeu o músico. De boina e bom conversador no que é essencial, Midón abriu o concerto com uma novidade do álbum que vai editar no próximo mês de março. Com o fundo de palco azulado e depois da primeira dança virtuosa dos dedos com as cordas da guitarra, ouviu-se o mais popular 'Pedal to the Metal' com direito a um solo que mereceu ovação antes terminar o seu ciclo natural. "Obrigado", disse Midón, em português, apesar de ter estado mais resguardado nas palavras. As proezas nas improvisações por si só bastaram para um intenso diálogo com o público. Se a guitarra de George Harrison chorava, a de Midón riu, emocionou-se, desabafou e falou connosco ao longo de hora e meia. 

'Sound Shadow' continuou o ciclo das proezas à guitarra e começou um novo no trompete imaginário que saía da boca de Midón. A balada 'Suddenly', despida ao essencial, lembrou a comoção de Ray Charles ou a ternura clássica de Nat King Cole. 'I Really Wanna See You Again' foi outra novidade da noite. "Vão ser os primeiros a ouvir", confidenciou-nos antes de experimentar o tema. O tema e um falsete digno da nota mais alta.
 

 

'Sunshine (I Can Fly)', com o trompete vocal a abrir, foi acolhida pela plateia com euforia. Os que estavam na sala já podiam acompanhar a letra. Por esta altura, Midón estava com uma mão nos bongos e a outra nas cordas da guitarra. "Cuidado se tentarem isto em casa", acautelou-nos. Pois, claro. Nada nos garante que o resultado fosse o mesmo. O ritmo teve uma existência própria. Personificou-se no palco. Com a ginástica na percussão, o trompete a seguir novos caminhos e parte da letra cantada em espanhol, fomos a uma série de lugares do mundo em poucos minutos. O êxtase solar de 'Sunshine (I Can Fly)' acalmou-nos a jornada com o introspetivo 'Listening to the Rain', agora ao piano. Se atravessámos o mundo, porque não atravessar estações? A balada, tocada debaixo de tons púrpura, foi ouvida em silêncio absoluto. 

No alinhamento ainda couberam temas como 'If You're Gonna Leave', 'Spain' (uma versão do também versátil Al Jarreau), 'A Certain Café' (mais uma novidade) ou 'Ride on a Rainbow' do álbum de 2018, "If You Really Want". 'State of Mind' concentrou a vasta essência musical do músico que podemos concentrar numa palavra: "liberdade".

O fim, já depois de ter regressado ao palco debaixo de uma bonita ovação, foi ao som de 'Waited All My Life' e de palavras de agradecimento. Nós é que agrdecemos. A voz de Raul Midón soa a finais felizes.


 

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