Ouça a Smooth FM em qualquer lado.
Faça o download da App.
13 dezembro 2019
13:15
Silvia Mendes

Dez regressos da década

Dez regressos da década
Na série de balanços da década, escolhemos dez regressos aos discos, aos palcos (ou a ambos) que marcaram os últimos dez anos.

 

Silence 4 - 2014

Um aplauso de pé a um dos melhores coros ouvidos em solo nacional nos últimos dez anos. Um dos...  porque ainda agora começámos a fazer a lista. Em 2014, um coro gigante de vozes nostálgicas recebeu os Silence 4 de braços amplamente abertos. Tão abertos como os sorrisos de David Fonseca, Sofia Lisboa, Rui Costa e Tozé Pedrosa nas noites de reencontro com quem nunca os esqueceu. Tinham passado treze anos desde o fim do coletivo de Leiria. A "reunião" - ainda que apenas por algumas datas - foi para celebrar a vitória de Sofia Lisboa na luta que travou contra uma leucemia. Celebrou-se a vida, e as receitas dos concertos reverteram a favor da Liga Portuguesa Contra o Cancro. A pequena digressão passou pelo MEO Arena no dia 5 de abril. A sala lisboeta, que em 98 tinha recebido os Silence 4 com o nome Pavilhão Multiusos, transbordou de gente e de boas memórias. Três horas de concerto. Três encores. 18 mil corações a bater ao mesmo ritmo, o da boa saudade. 'Angel Song', 'Borrow', 'Silence Becomes It', 'To Give', 'My Friends', 'Dying Young', 'Where Are You?', 'Only Pain Is Real', 'Don't II', 'Cry', 'Only Pain Is Real', 'Ceilings', 'Breeders', 'Eu Não Sei Dizer' ou a versão de 'A Little Respect' cintilaram tanto como o brilho que resplandecia dos olhos dos quatro amigos e da roupa elegante de Sofia Lisboa. Um a um, os clássicos da vida dos Silence 4 (e de tanta gente) ouviram-se a milhares de vozes. 'Sextos Sentidos' teve mais uma voz a ajudar, a de Sérgio Godinho que foi o convidado da noite. Sofia, ganhámos todos.
 


Guns N' Roses - 2016 

1993 - 2016 é o janelão de tempo em que estivemos privados do core da formação original dos Guns N' Roses. Os Guns à séria, emblemáticos e com o núcleo original. O regresso foi anunciado em 2016. Axl Rose, Slash e Duff McKagan voltaram à estrada quase 20 anos depois do "fim". A teimosia charmosa de Axl Rose nunca deixou morrer a marca, é certo. Depois da separação à custa das arrelias de estrada e dos inevitáveis danos colateriais da filosofia inconsequente do rock mais corpulento, os Guns improvisados, liderados por Axl, continuaram a sobreviver. Até editaram um disco - o mal-amado "Chinese Democracy". Nunca foi a mesma coisa. Com todo o respeito pelos novos amigos do frontman  Rose, nós - o mundo - queríamos os clássicos. À pergunta: será que vamos voltar a ver OS Guns N' Roses juntos outra vez? A dolorosa resposta ouvia-se com a força bruta das circunstâncias: "nunca na vida". Pois bem, "Not In This Lifetime Tour" foi precisamente o nome da digressão que os meteu outra vez na estrada. Em 2016, os Guns old school anunciaram o regresso para um concerto nos Estados Unidos. O que seria apenas um get together lá por casa transformou-se numa gigante e populosa digressão mundial que passou por Portugal num anoitecer quente de 2017. No dia 2 de junho, a vila de Algés foi elevada a cidade paraíso com perto de 60 mil habitantes rendidos aos pés da banda histórica. O alinhamento viajou pelas malhas reais do tempo com passagem pelos álbuns "Appetite for Destruction", "G N'R Lies", os "Use Your Illusion" e até pelo último "Chinese Democracy" (coisa para ter o dedo do Axl). Nem o malhão 'Coma' faltou! Hoje soubemos que vai haver um segundo round  no dia 20 de maio de 2020. Os Guns vão voltar a agitar o Passeio Marítimo de Algés na primavera do próximo ano. Yeah!
 



Ornatos Violeta - 2012

17 de agosto de 2012. A adrenalina, quando provada em excesso, nem sempre é uma boa amiga da memória detalhada. A noite de regresso dos Ornatos foi de exaltação de emoções profundas e de outras tantas que andaram mais à superfície, meio desvairadas e a arrepiar a pele. Admitimos que a intensidade da experiência pode ter desfocado a capacidade de observação analítica dos "enredos" de palco, mas vamos dar o nosso melhor para descrever, de forma resumida, o que foi isto de ver os Ornatos "vivos outra vez". Se a 'Pedra Filosofal', de António Gedeão, diz que o sonho é uma constante da vida, o sonho de assistir ao regresso dos Ornatos Violeta era uma constante de muitas vidas desde o longínquo ano de 2002. Aproveitando o embalo do poema, o regresso aos palcos da banda portuense - oficializado no concerto em Paredes de Coura - foi uma autêntica "bebedeira de azul". É a primeira cor a disparar o gatilho da memória: um fundo imenso azul onde se conseguia vislumbrar os contornos de cinco figuras a assumir as posições no palco, arrumando-se quase em slow motion para o que veio a seguir. Manel Cruz, Nuno Prata, Peixe, Kinörm e Elísio Donas estavam no palco. Havia cartazes de cartão improvisados, bolas de sabão a pular devagarinho no anfiteatro minhoto e alguns drones a sobrevoar o recinto. Mesmo no início do concerto, a introdução de 'Tanque' pareceu um loop eterno, um caleidoscópio a contorcer-se em si próprio de prazer. O anfiteatro natural do Minho estava completamente à pinha de gente com coisas latentes para exorcizar. A voz de Manel Cruz entregue à inquietude lírica dos Ornatos não se ouvia há 10 anos. O resto é história... da música portuguesa. Ainda nesse ano, os Ornatos tocaram nos Coliseus de Lisboa, Porto e São Miguel, uma série de concertos em que até o disco de estreia, o visceral "Cão", apareceu para "morder-nos" a memória. Este ano, voltámos a ter Ornatos Violeta para celebrar com eles os 20 anos do segundo disco "O Monstro Precisa de Amigos". Aqui entre nós (que ninguém nos ouve), eles não sabiam nem sonhavam que nunca iríamos deixá-los morrer. Hoje já são capazes de ter uma ideia.
 


Blur - 2012

"It really, really, really could happen. Yes, it really, really, really could happen". Estamos a escrever sobre regressos, é uma urgência poética recuperar parte da letra do sentimental 'Universal' que os Blur lançaram em 95. O melódico gerador de arrepios em massa ganhou uma nova cor na última década, a que pintou o regresso dos Blur à composição e às digressões. Os Blur voltaram a Portugal em 2013, uma década depois do último concerto em "águas nacionais". Quem esteve na edição desse ano da versão portuense do Primavera Sound sabe qual foi a sensação de ouvir outra vez a voz de Damon Albarn a entoar um mundo de possibilidades ainda por acontecer. No dia 31 de maio, o coletivo britânico confirmou que ainda tem lugar cativo no coração do público português. É certo que a possibilidade do regresso dos Blur foi apalavrada em 2009 - e até houve aparições pontuais que funcionaram como uma espécie de pré-regresso - mas só em 2012 é que ouvimos material fresco para oficializar o retorno à magia da criação. Os Blur já não editavam nada desde 2003. Foi também em 2012 - com a intenção de regressar aos palcos mais do que firmada - que a banda (com o guitarrista Graham Coxon incluído) subiu ao palco do Hyde Park para uma "maratona" de grandes canções que fez parte das cerimónias dos Jogos Olímpicos de Londres. Depois do concerto... olímpico,  os quatro bons rapazes meteram os pés na estrada para uma digressão pelo resto da Europa - a tal que passou pelo Porto. Em 2015, os Blur voltaram a Lisboa para um concertão no Super Bock Super Rock. Foi também o ano de "The Magic Whip", a "chicotada" discográfica dos senhores da britpop que acabou com 12 anos de silêncio.
 


Kate Bush - 2014 


Nunca é só o regresso de Kate Bush. É o regresso ao vivo de um universo imenso e muito particular que esteve suspenso durante 35 anos. A despedida de Kate Bush dos palcos foi em 79. Desde essa altura, ainda no rescaldo da edição do segundo disco "Lionheart", era coisa rara ver a cantora britânica ao vivo. Subiu ao palco com Peter Gabriel ou David Gilmour, mas vê-la sozinha tornou-se numa impossibilidade quase mítica. Mais de três décadas depois, Kate Bush voltou a pisar o palco do Hammersmith Apollo. Foi em março de 2014. Os bilhetes para a série de 22 concertos, marcados para a conceituada sala londrina, esgotaram em apenas 15 minutos. "Before the Dawn" foi o nome da "residência" que devolveu Kate Bush aos palcos com o rico imaginário cénico que sempre a distinguiu. A lendária cantora quis resguardar o que aconteceu no palco, pedindo ao público que não fossem captadas imagens. Sabemos que na plateia estiveram outros grandes. De acordo com a publicação Gigwise, Madonna, Bjork e Lily Allen não quiseram perder a oportunidade. O The Guardian avistou por lá David Bowie e David Gilmour. Numa entrevista dada à BBC, Anna Calvi, que também marcou presença num dos concertos, descreveu a experiência como "um espetáculo louco, imaginativo e criativo que é o que faz com que Kate Bush seja incrível. Sentimos que estávamos no cérebro dela, dentro da cabeça dela". O alinhamento passou por temas dos vários álbuns editados pela cantora. Faltou 'Wuthering Heights', um dos maiores sucessos comerciais que assinou. 

Soundgarden - 2012

O regresso aos discos dos Soundgarden aconteceu em 2012, mas as águas do retorno discográfico começaram a mexer-se dois anos antes com a reedição da antiguidade 'Hunted Down' - o primeiro single editado pelo grupo norte-americano em 1987. A nova vida "soundgardiana" materializou-se com "King Animal", editado depois de um jejum discográfico de 16 anos. O single 'Live To Rise' foi a amostra oficial da junção das forças criativas de Chris Cornell, Kim Thayil, Ben Shepherd e Matt Cameron que também ganharam fôlego para voltar à exigente vida de estrada. A década começou auspiciosa, mas, e apenas cinco anos depois, a realidade escureceu com a morte inesperada de Chris Cornell. O frontman dos Soundgarden foi encontrado morto num quarto de hotel em Detroit (Michigan) precisamente durante uma digressão dos monstros de Seattle. Portugal ainda conseguiu ver Chris Cornell a solo (na edição de 2009 do Optimus Alive), mas já não testemunhou de perto a reexistência dos Soundgarden com o homem que sempre lhes deu voz. E que voz! Os membros sobreviventes já manifestaram vontade de editar, pelo menos, mais um álbum com algumas demos gravadas por Cornell antes de morrer, mas a demanda tem sido complicada. O futuro do que restou dos Soundgarden está nas mãos da viúva de Cornell, Vicky Cornell, que abriu uma luta legal pelos direitos autorais de sete canções. Resta-nos celebrar, com a mão ao peito e a voz tão esticada como a de Chris Cornell, a existência de uma das bandas mais importantes da cena de Seattle. Deixamos aqui 'Black Hole Sun' para ajudar na cantoria. Não esquecer: a mão ao peito em sinal de profundo respeito. 
 


Tool - 2019

Tudo o que envolve os Tool, de Maynard James Keenan, é epicamente denso. O regresso aos discos e a volta à vida de estrada seriam diferentes? Não. O concerto de reencontro com o (muito fiel) público português ainda está fresco na memória e vai na dianteira da corrida dos concertos mais aguardados por cá nos últimos tempos. O coletivo da Califórnia, que já não punha os pés em Portugal desde 2006, encheu a Altice Arena no passado mês de julho. Os Tool não vieram de mãos a abanar, chegaram com novo disco - o sucessor de "10,000 Days". Não fizemos a conta a quantos dias estivemos sem álbuns dos Tool, mas a contagem em anos dá 13. "Fear Inoculum" foi lançado em agosto. A proeza de 7 faixas saciou a longa espera por malhas bem tecidas à Tool e trouxe a banda de volta a terreno português.
 



Mazzy Star - 2012

Hope Sandoval foi uma luz de esperança para a juventude mais introspetiva dos anos 90. A doçura melancólica com que a vocalista dos Mazzy Star enchia as canções deixou um travo demorado que temos gosto em recordar sempre que há um assalto da nostalgia. Em 2012, houve uma degustação da saudade no palco secundário do ainda Optimus Alive. 17 anos volvidos, os Mazzy Star voltaram às digressões e editaram um disco. "Seasons of Your Day" foi lançado em 2013. A última memória que tínhamos, e que nunca foi vaga, chamava-se "Among My Swan". Tantas noites a ouvir 'Flowers in December', 'I've Been Let Down', 'Cry, Cry' ou 'Disappear' no resguardo do quarto em plena agitação adolescente. Quase duas décadas depois - e porque o tempo não pede licença para passar - o regresso da banda californiana foi bem saudado pelo público em Algés. Que bem que soube.

 


Sétima Legião - 2012

2012 está muito forte neste balanço de regressos e também em português. Uma das bandas mais emblemáticas dos anos 80/90 resolveu voltar aos palcos para uma minidigressão de aniversário. Celebrou-se 30 anos de Sétima Legião com a vontade dos três membros fundadores: Rodrigo Leão, Pedro Oliveira e Nuno Cruz. Além dos concertos de 30 anos, que passaram pelo Coliseu de Lisboa e pela Casa da Música, no Porto, os Sétima Legião aproveitaram a ocasião celebrativa para reeditar a discografia completa e uma espécie de antologia com as canções mais marcantes da carreira.

 


Phil Collins - 2017

Nicholas, filho de Phil Collins, foi o grande responsável pelo regresso do pai aos palcos. Tanto insistiu que o músico veterano fez-lhe a vontade. Pelo menos, foi esta a versão que Phil Collins deu à imprensa quando justificou a renovada presença nos palcos. "Not Dead Yet" foi o nome de batismo da digressão e da autobiografia que lançou também em 2017. A ameaça de reforma foi feita em 2011, depois de ter deslocado uma vértebra que o impossibilitou de tocar bateria. Na altura, Phil Collins manifestou a vontade de se manter afastado das andanças artísticas e dedicar-se mais à família. 6 anos depois, e já bem encaminhado para os 70 anos de idade, voltou para interpretar os seus maiores êxitos. Fica aqui a baladona 'Against All Odds' para selar o balanço da década que está quase a chegar ao fim. Foram regressos contra todas as probabilidades, faz todo o sentido.

 

 

Créditos das imagens:

Silence 4: Vanessa Krithinas
Guns N' Roses: Nuno Fontinha
Ornatos Violeta: Rúben Viegas
Chris Cornell: EPA
Blur: Nuno Fontinha
 

Mais Notícias