Imaginemos o caso de um número escrito no chão onde duas pessoas estão por perto. Uma está no topo do número desenhado e outra está na base. Uma há de ver um seis e a outra um nove. O mesmo número, visto de lados diferentes, ambos correctos. Assim devia ser na vida.
Temos sido ensinados para o óbvio e para o concreto. Temos sido lançados às coisas estanques, não tendo sido permitido navegar para longe da linha daquilo que é certo ou errado. Temos sido educados para não ir para lá do que a vista alcança, para não ir em frente até ficar sem pé. "É assim que é".
Foi-nos dito que um dia bonito é um dia de Sol, que uma tarde produtiva é uma tarde onde se cria e não se pára, que o melhor trabalho é aquele que dá mais rendimento, que a doença é o fim. E fomo-nos esquecendo que as nuvens e a chuva são uma dádiva que nos traz o sublime, que uma tarde onde nada se fez pode restabelecer, que o melhor trabalho é aquele que nos dá tempo e que a doença pode ser um novo início.
Nessa maneira de estar caprichada, teimosa, insistente e relutante vão-nos escapando os pequenos milagres. O milagre das discussões e da descoberta dos diferentes pontos de vista. A liberdade da discórdia naquilo que é o correcto, o arriscar de expectativas, o ir além do que se conhece, errar e regressar.