Tudo o que não se compreende tem o seu lugar de mistério, o seu tempo de descoberta e inquietação. Temos tendência para a curiosidade daquilo que nos desperta uma emoção, por mais pequena que seja.
Lembro-me de em criança ir ouvindo os discos que o meu pai tinha em casa, muitos deles de jazz e de toda aquela agilidade sonora me provocar sensações de profundo desassossego e agitação. Não necessariamente no sentido pejorativo. Talvez numa abordagem mais inquieta de quem não compreende o que ali se está a passar mas quer claramente dar de caras com a sua origem. Assim eram também as viagens de carro entre Lisboa e o Alentejo e vice-versa: jazz nas colunas e os quilómetros e os sobreiros a passar acelerados pela janela. Mais do que o artista ou o nome da música, interessava-me entrar no panorama parassimpático do meu sistema nervoso para compreender que pele de galinha era aquela, que levitação inconsciente se estava ali a dar, que som era aquele.
Desde cedo que me fascinei pelo Jazz, pelo improviso, pelos artistas, pelo processo criativo - da ideia ao palco - pelas frustrações, pelo fumo do cigarro e pelas meias-luzes. Quando entro num bar de jazz, entro num mundo que não é meu mas que me acolhe. Aquilo é outra dimensão, é outro tempo. O tempo não corre da mesma maneira. O oxigénio não é o mesmo.
Se nos perguntarem porque razão amamos determinada pessoa, rapidamente estamos a falar da personalidade, daquilo que sentimos ao estarmos com aquela pessoa, da confiança e lealdade que temos perante aquela pessoa, da gargalhada daquela pessoa. Se depois de todas estas respostas nos voltarem a perguntar porque é que amamos determinada pessoa, ficaremos sem resposta para dar. Tudo o que já respondemos parece agora superficial e vazio. A verdadeira razão pela qual amamos aquela pessoa está para lá de uma explicação, está para lá daquilo que é compreensível. Não tem uma resposta concreta. Sabemos que não somos os mesmos quando estamos com aquela pessoa ou quando estamos sem ela. Algo muda no nosso corpo, no nosso entendimento, na nossa cegueira, na nossa forma. Não sabemos como nem porquê. Sabemos que acontece.
Por muito que me venham explicar a origem de cada música, de cada artista, o que cada um teve de fazer para se sobressair, por muito que me expliquem cronologicamente os álbns, os prémios, as pautas e as partituras, por muito que se mostrem especialistas e profundos conhecedores do género, por muito que eu tente chegar a esse patamar e aperfeiçoar o meu entendimento sobre o jazz, o que ele provoca no silêncio entre as notas é incompreensível e inexplicável. No entanto, passou a ser vital. Onde me leva a música eu não sei, mas sei que é um lugar para voltar.
Gonçalo Câmara