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23 março, 2021
Que Coisa São As Tardes?

O Sabor do Regresso

O regresso está exposto e vivo na maior parte da nossa vida. Não apenas o da viagem. O regresso a casa do trabalho, o regresso das compras, o regresso às aulas, o regresso à rotina, o regresso à normalidade e às coisas comuns e impessoais, o regresso aos nossos.

A primeira vez que me apercebi da importância do regresso foi numa conversa com o Miguel Sousa Tavares à porta da RTP, numa tarde de Dezembro onde a noite já havia chegado. O Miguel disse que a coisa que mais gostava numa viagem era o regresso. Não necessariamente o regresso para partilhar o que se viu, mas o regresso para assimilar o que se viveu.

O regresso está exposto e vivo na maior parte da nossa vida. Não apenas o da viagem. O regresso a casa do trabalho, o regresso das compras, o regresso às aulas, o regresso à rotina, o regresso à normalidade e às coisas comuns e impessoais, o regresso aos nossos. O regresso é mais importante do que imaginamos. Sem ele, a beleza dissipa-se. Dá-se valor a um momento porque sabemos precisamente que não permanecemos. Os momentos vivem também de gente e a gente regressa. A agradável noção de dar duas voltas à chave, fechando a porta por semanas, só existe porque regressaremos àquela porta. A já conhecida amargura que antecede o momento de voltar a pôr a roupa na mochila também existe porque sabíamos do regresso e por isso vivemos. 

Essa consciência do regresso trata tudo o resto. Destapa indecisões momentâneas, aflições de última hora, experiências de quase-vida e conversas insípidas. O que nos move é o caminho, sempre. O "ir e voltar". Se a vida fosse um mero bilhete de ida, onde estava o espanto pelas coisas? Que seria da perplexidade e do fascínio diante dos desvios? Onde estaria a surpresa que é a vida? As coisas sentem-se não porque acabam mas porque sabemos que acabam. Regressar é saber acabar. 
 

Gonçalo Câmara

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