Sobre a saudade
Ter saudades e sentir falta são coisas distintas, embora morem perto. Tal como ter saudades e lembrar alguém. São ambos protagonistas que se cruzam no mesmo filme, embora tenham papéis diferentes. Saudade é uma palavra que não se traduz noutra língua. É nossa. E para além de ser uma bonita palavra, é uma palavra pesada. Traz consigo uma carga inquieta, demorada e indecifrável muitas vezes.
Podemos ter saudades de tudo. De uma pessoa, de um lugar, de um momento. Podemos ter saudades de nós mesmos, como escrevia o poeta António Barahona: "tinha saudades de mim e procurava-me". Podemos ter saudades de alguém que já não se faz presente nesta forma de vida, podemos ter saudades de alguém que está longe, podemos ter saudades de alguém que está perto, embora distante.
Nada é mais comovente que um abraço de saudades. Quando viajo, gosto de perder algum tempo nos aeroportos para verificar isso mesmo. Dá para distinguir à distância um abraço de regresso de um abraço de partida. A saudade não é palpável mas muitas vezes provoca algo físico a quem sente. A saudade é capaz de tolher movimentos.
A saudade não é só ausência, lembrança e vontade. A saudade é também um lugar protegido. Um lugar que vamos construindo com a idade, onde passamos a conhecer a sua história. Não tem de ser um lugar de pó, de sombras ou relógios parados. É um quarto de uma luz que rasga intensa um janelão que dá para a vida. São milhares de gavetas e milhares de chaves porque a saudade nem sempre é um tempo de sossego.
A saudade é algo tão urgente à vida que seria um crime matá-la.